Meu pai queria uma filha ou só quis um bebê?
Depois dos 20 a gente supera a ausência do pai presente?
Tenho pensado bastante sobre a frequência com que se fala sobre o desejo de ter filhos, e não consigo evitar a pergunta: as pessoas realmente querem filhos, ou querem bebês fofinhos? Isso me faz pensar sobre o meu pai. Ele amou minha chegada, mas eu passei de um bebê para uma criança e assim para uma pessoa que precisava de presença, de ensinamentos, de acompanhamento.
Desde que fui do pré para o ensino fundamental 1, meu pai sempre esteve ocupado com o trabalho. Ele estava sempre viajando ou, mesmo em casa, não era emocionalmente presente. Eu não lembro de vê-lo nas apresentações escolares, nas festas de pais, na igreja... mas lembro da presença do meu avô e da minha mãe. Eram essas as pessoas em quem eu podia confiar.
Eu fui crescendo, e a falta do meu pai começou a me afetar mais do que eu imaginava. Ele sempre foi o tipo de pessoa que acreditava que o 'tempo de qualidade' podia ser substituído por presentes. Sempre tive os brinquedos que queria, as roupas, os materiais escolares mais legais que eu escolhia, os livros, o dinheiro para sair com uma amiga. Sendo sincera, eu entendo que isso é considerado um privilégio por muita gente, e sou grata por ter isso, mas o que nunca tive foi um domingo com meu pai.
Nunca saímos no feriado, nunca fomos a lugares juntos mais de 1 vez no ano. Fomos à praia duas vezes, mas em todas as outras férias e viagens, eu estava com minha mãe. Ela estava lá, nas apresentações escolares, nas festas dos pais, nas reuniões da escola. Mas ele... ele nunca podia ir e sempre foi por opção. Eu não precisava de tudo que ele me deu tanto quanto precisava conversar com meu pai às vezes. E era isso que eu mais desejava.
É engraçado quando ele diz que não sou de tal jeito. Mas como ele poderia saber? Ele nunca se importou em perguntar nada, nunca se preocupou em me conhecer de verdade. Meu pai não conhece as minhas amigas, não sabe dos filmes que eu gosto, e se quer, saberia minha cor favorita, mesmo sendo a mesma há anos.
Eu estava escutando essa se alguém quiser ouvir.
Faz alguns anos que faço acompanhamento psicológico e psiquiátrico, e meu pai nunca quis saber o motivo. Nunca perguntou sobre os remédios, e, muito menos, perguntaria como eu me sinto. Porque eu não sou do interesse dele.
Eu me lembro de um tempo atrás, perguntando para a minha mãe: 'Por que o meu pai não me ama?' E ela me respondeu que não era assim, que ele só não sabia demonstrar. Mas como ele demonstra, faz com que eu me sinta mais odiada do que qualquer coisa perto de ser amada.
Os 20 anos chegaram e, depois de uma adolescência inteira buscando um amor que eu não recebia do meu pai, eu finalmente desisti. Mesmo morando na mesma casa, mesmo vendo ele todos os dias, eu deixei de fazer questão. Ainda dói que meu próprio pai não me ame? Com certeza. Mas não tenho mais porque insistir em algo por dois.
Eu desaprendi a abraçar o meu pai, e as datas comemorativas se tornaram um desconforto. Os braços que me davam aconchego, que me faziam fingir estar dormindo para continuar no colo dele, se transformaram em algo que hoje é penoso, até mesmo para uma simples demonstração de afeto.
E aí me vem a pergunta de novo: as pessoas realmente querem ter filhos ou querem só a fase de bebê, quando não há tanta responsabilidade emocional envolvida? Será que estão prontas para lidar com um serzinho que depende do seu humor, que percebe quando você não tá a fim de brincar e vai te cobrar atenção, por que você deve isso?
A questão é que, no fim das contas, a coisa mais importante não é ser chamado de ‘mãe’ ou ‘pai’, é ser alguém que realmente tá ali.
Eu cresci sem essa presença emocional do meu pai. E, na época, a gente não percebe muito, até porque, quando somos mais novos, nos acostumamos a viver com a ausência. Mas, com o tempo, ela vai se tornando mais clara, e é aí que a gente começa a perceber o que não tivemos. Quando olho para trás, vejo a negligência emocional de um jeito tão perceptível que chega ser ridículo. Quantas vezes, ainda criança, eu tentava chamar sua atenção e não tinha, o mais complicado é que hoje, já não sinto mais tanto essa necessidade.
Porém, lá, no fundo, a saudade daquilo que nunca foi, daquilo que nunca se ofereceu, permanece — talvez de uma forma mais disfarçada, mas ainda assim presente.
Com o tempo, aprendi a lidar com isso — com a ausência, com a falta que tem presença, com o desejo de um pai que só quisesse me perguntar como foi na escola ou entender o motivo da minha cara de choro. Entendi que posso me proteger. Tenho minha mãe e todas as outras pessoas que me ajudam a crescer. Estou me compreendendo aos poucos. Às vezes, tudo que precisamos é entender nossa alma e saber que, mesmo que sejamos pouco, nos bastamos. Encontramos formas de entender e de não depender do que nos faltou no passado. Porque, apesar de tudo, somos reais, e a vida continua.
Exatamenteee.
Eu sinto que ele não me conhece e não saberia responder nada sobre mim, e isso diz muito sobre a atenção que não foi dada quando eu cresci. Vejo sempre crianças sendo tratadas como pessoas sem sentimentos porque os pais não querem lidar com isso e acho que daí começa o egoísmo.
Muito obrigada por ler, Jhe!💗
Sempre senti isso também. Por isso sempre penso que é egoísmo você ter um filho. No final, ninguém pensa em como será quando o filho se tornar uma criança e quiser atenção infinita. Ninguém pensa em como vai ser quando a puberdade vier e todos os desafios vierem juntos. Meu pai apesar de parecer presente, até hoje não sabe nem o ano em que eu nasci. Ótimo texto, adorei sua escrita 💝🌷.